A tragicomédia da Eleição da UFS e uma “ameaça” iminente

Na última semana, tivemos mais alguns capítulos da tragicômica novela em que se transformou a eleição para a reitoria da Universidade Federal de Sergipe (UFS), com um triste e caótico enredo que macula a imagem da maior e mais importante instituição de ensino do Estado.

Mais de um mês após o reitor da UFS ter realizado uma votação nos conselhos superiores sem respeitar regras previamente estabelecidas, com seu chefe de tecnologia da informação controlando a sala de votação virtual e, ainda, com o próprio reitor presidindo a eleição que teve o seu candidato como o mais votado, tivemos uma outra “eleição” na semana passada.

Depois do episódio lastimável da votação nos conselhos em 15 de julho, as entidades sindicais e estudantis da UFS levaram adiante uma eleição junto aos estudantes e servidores, por meio da chamada consulta à comunidade universitária, usando um nebuloso sistema de votação. Viu-se, novamente, um processo marcado pela falta de transparência e segurança devidas.

Com a previsão de que essa votação ocorresse de segunda a terça-feira (24 e 25 de agosto), foi prorrogada até quarta (26) em meio a várias intercorrências e reclamações durante a votação. Foi utilizado um software criado e operado por um estudante da UFS que, segundo a própria comissão eleitoral, possui vínculos comercial e profissional com a direção de um dos centros da universidade. Além de causar estranheza esse tipo de vínculo na administração pública, vale lembrar que o diretor desse centro é um dos mais proeminentes apoiadores e articuladores da campanha de um dos candidatos participantes na consulta.

Curiosamente, foi a chapa desse candidato que passou a disparar centenas, talvez milhares, de mensagens não solicitadas por e-mail (o famoso spam) para docentes e técnico-administrativos da UFS, pedindo votos. E, surpreendentemente, fez isso enquanto já estava em curso o processo de votação. Ora, é questionável como teve acesso ao banco de dados com os endereços de todos esses servidores.

Assim, muitos servidores e estudantes da UFS revelaram sua perplexidade com o fato de um estudante ter acesso aos seus dados. Uma servidora aposentada fez circular um comunicado afirmando que não votaria na consulta, porque não se sabia de quem era a responsabilidade pela coleta dos dados e porque não havia garantias de sigilo e segurança.

Ainda que os responsáveis por essa eleição afirmassem que os dados de servidores e estudantes, como data de nascimento e CPF, não ficariam retidos em qualquer banco de dados, servindo apenas para validação, chama a atenção o fato de que, no vídeo de demonstração do sistema de votação divulgado pelo criador do software, usando o que parece ser seu computador pessoal, foram mostrados alguns CPFs que já estavam na memória do equipamento, dentre os quais consta o de uma servidora aposentada da UFS. A não ser que seja parente desse estudante ou que a servidora tenha disponibilizado seus dados para ele, como explicar tal registro?

À comissão eleitoral havia sido sugerida a contratação de uma empresa de informática e não um estudante da UFS. Também foi proposto a essa comissão que algum profissional de TI externo à UFS, cuja indicação poderia ser requerida ao TRE ou à Polícia Federal, por exemplo, fosse o responsável pela operação do sistema de votação. Tudo isso para que um certo grau de isenção e maior segurança fossem assegurados nessa nebulosa consulta-votação. Mas essa sugestão foi totalmente ignorada pelos responsáveis por essa eleição.

Diante de todas essas questões, foi prudente a desistência da minha e de uma outra chapa de participar dessa consulta que, antes da pandemia, estava programada para ocorrer em março. Ambas reiteram a disposição de tomar parte em uma consulta regular no futuro, desde que conduzida com a isenção e transparência devidas, afastado o risco de incorrer em possível violação à Lei Geral de Proteção de Dados e sem aderir a uma “democracia de conveniência”.

Registre-se que as duas chapas que participaram dessa consulta foram as mesmas que receberam votos naquela reunião de 15/07, feita sob medida pelo reitor. São elas que integram, ao lado da chapa da reitoria, a lista tríplice por ele encaminhada para Brasília e, embora tenham sido enfáticas na denúncia de que a eleição nos conselhos foi arbitrária, abusiva e antidemocrática, não pediram para retirar seus nomes dessa lista tríplice. Nossa hipótese é de que havia o claro interesse dessas duas chapas de buscarem, a qualquer custo e lançando mão de uma democracia de conveniência, legitimar sua inclusão na infame lista.

Por outro lado, a direção atual da maior entidade estudantil da UFS e que é uma das promotoras dessa votação, o Diretório Central dos Estudantes (DCE), divulgou, recentemente, uma nota propondo que não fosse realizada a eleição de uma nova diretoria, em razão da pandemia que suspendeu as atividades acadêmicas. O mandato da atual diretoria se encerrou em 28/08 e, portanto, a eleição já deveria ter ocorrido. Ora, deixar de promover eleições regulares na entidade que preside invocando a situação de pandemia, enquanto participa e apoia ativamente a eleição para uma “nova direção” da UFS neste momento, sem qualquer ressalva quanto à pandemia em curso, é também recorrer a uma democracia de conveniência.

Como já existem distintos processos em sede judicial e administrativa para apurar as diversas irregularidades no processo eleitoral em curso na UFS, é uma temeridade continuar participando de uma eleição que se encontra sub judice. Antes do desfecho desses processos, criar factoides eleitorais, como vem a ser essa esdrúxula votação, só gera descrédito e mais perplexidade na comunidade universitária e no conjunto da sociedade sergipana diante dessa confusa eleição da UFS, eivada de irregularidades.

O processo eleitoral poderia ter sido conduzido sem voluntarismo e falta de transparência, sem atropelo e em respeito às regras do jogo democrático. Pedidos judiciais com limitadas chances de acolhimento, como os formulados em juízo pelas entidades sindicais buscando obrigar o reitor a disponibilizar o sistema de eleição on-line da UFS e realizar a prévia consulta à comunidade universitária, bem como todo o esforço do reitor – cujo mandato vai até 17 de novembro – para “fugir” da Medida Provisória 914 e realizar uma eleição sem regras, põem no horizonte a “ameaça” de nomeação de um reitor pro tempore.

Trata-se de um evento cada vez mais provável e cuja responsabilidade tem as digitais da reitoria, contando com a contribuição de outros tantos que se empenharam em tumultuar o processo, com uma eleição sem regras. O instituto legal da nomeação de um reitor temporário não estaria no horizonte se aqueles que se julgam donos da UFS tivessem controlado sua desfaçatez e arbítrio, e buscado conduzir um processo eleitoral com a lisura, a transparência e a regularidade que nossa instituição merece e a comunidade universitária almeja.


Denise Leal Albano é professora de Direito da Universidade Federal de Sergipe e candidata a reitora pela chapa Renasce UFS.

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