A Pandemia e a Desigualdade Social

A pandemia do Coronavírus expõe as contradições do processo civilizatório. Eviscera as nossas mazelas como se nos alertasse: crise também é momento de oportunidade. Perdermos essa oportunidade é algo que, racionalmemte, deveria estar no campo das impossibilidades.

Mas como nos ensina o sociólogo Jessé Souza, os problemas sociais não podem ser enfrentados sem reconhecermos toda sua causalidade, sob pena de perdermos a oportunidade para resolvê-los. Agora, exponho a minha compreensão sobre o cenário da desigualdade social, no qual acontece a pandemia.

Nas últimas décadas, sendo mais preciso no tempo, a partir dos anos setenta do século passado, a financeirização do capital e a negação progressiva do estado de bem estar social estabelecerão uma nova fase do liberalismo, que produzirá a maior concentração de renda na história da humanidade, com a sua inaceitável, por desumana, concentração de renda.

A desigualdade global está em níveis recordes e o número de bilionários dobrou na última década. Registre-se, o Brasil é um dos países onde essa concentração acontece com mais voracidade, aqui anotada como sinônimo de ganância.

Segundo a Oxfam, os 2.153 bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas – ou cerca de 60% da população mundial.

Aqui, peço licença para fazer uma analogia com o que disse o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, o penalista Nelson Hungria, sobre a democracia liberal. O liberalismo deve proteger os direitos do homem, e não os crimes do homem. Maldito seria o liberalismo se se prestasse a uma política de cumplicidade com a desigualdade social.

E é nesse cenário que chega a pandemia causada por um vírus com considerável letalidade, que no Brasil tem alcançado a mais alta transmissibilidade e que, à medida que evolui, infelizmente já matou muitas pessoas. Faço aqui uma referência aos profissionais da saúde que morreram na linha de frente do combate, mas destaco as mortes das pessoas mais vulneráveis, dos pobres do mundo, muitas delas mortes evitáveis, que aconteceram pela desinformação, pela desnutrição, pela insalubridade, pela desassistência e até pela negação da possibilidade de assistência, ou seja, as vítimas do vírus e da injusta desigualdade social.

Em nosso país, a nossa maior estrutura para o combate à pandemia é o nosso SUS. Tão subfinanciado, precarizado, desviado para a partidarização e para o assistencialismo eleitoreiro desde o seu nascedouro em 1988, do ventre da Constituição que se propunha cidadã. Pós-pandemia, uma das mudanças esperadas é a eficiência e valorização do SUS. Precisamos liberta-lo das garras da politicagem e da ganância, para colocá-lo a serviço do seu verdadeiro dono e usuário, o povo brasileiro.

Por fim, outras palavras sobre uma prática de todos os governos, em todos os tempos, que agora se mantém: o desserviço à população e a submissão ao poder econômico. Tem sido muito clara e permanente a dificuldade para aprovação tanto pelo poder executivo, quanto pelo legislativo, de medidas para proteção da vida, do emprego e da renda. Para ficar em um só exemplo, a aprovação e efetivação do auxílio de R$ 600,00.

Entretanto, mais uma vez, o executivo e o legislativo foram ágeis e benevolentes ao aprovarem a PEC 10 que possibilita ao Banco Central “socorrer” aos bancos privados comprando títulos podres da carteira desses bancos. Aqui falo de trilhões de reais para meia dúzia de banqueiros. E como comprar títulos podres poderia levar a direção do BC a responder por crime de responsabilidade, preventivamente, também entrou em vigor a MP 930 que estabelece imunidade aos diretores do BC com relação aos seus atos administrativos, mesmo quando dessa natureza.

Em tempo, você sabe como o seu deputado federal e o seu senador votaram essa matéria? Esse absurdo não foi discutido claramente pela imprensa, que quando o faz, é de modo enviesado e tangencial. Tudo isso também precisa mudar. Este artigo foi escrito na perspectiva da primazia da vida.


Emerson Ferreira Costa é dermatologista, professor universitário, presidente do Diretório Municipal do Cidadania e ex-vereador por Aracaju

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