A aprovação do Projeto de Lei 10.887/2018 no dia 16 de Junho de 2021 pela Câmara dos Deputados, com o objetivo de alterar a atual Lei de Improbidade Administrativa – LIA – tornou a pivô de combates acalorados, sob a ótica de ser uma retrocesso ou abertura a impunidade.
A principal mudança do texto diz respeito à necessidade de dolo para configurar o crime de improbidade administrativa. Pelo relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), só poderão ser punidos pelo crime os gestores públicos que provocarem prejuízo ao erário com dolo — ou seja, em que esteja provada a intenção de cometê-lo e não apenas a culpa.
A lei é dividida em três seções. A seção I trata “Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito”, a seção II trata “Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário” e a seção III trata “Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública”.
A principal mudança é a que trata do dolo. Caso a lei seja chancelada pelo Senado tal como aprovada pelos deputados, só poderá ser punido por improbidade administrativa aquele que tiver “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11, não bastando a voluntariedade do agente”.
No artigo seguinte, o relator prossegue. “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.”
Para deixar claro. Os artigos 9º, 10º e 11º são os que tratam dos possíveis atos de improbidade. É uma lista bastante ampla que faz desde recebimento indevido de gratificações e presentes até várias formas diferentes de prejuízos aos cofres públicos, como permitir a venda de um bem público por um valor abaixo ao de mercado.
Pela formulação atual, “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa” é passível de punição. Ou seja, em tese, um gestor poderia ser processado e condenado por um prejuízo mesmo que não tenha tomado nenhuma atitude, bastando se comprovar que ele poderia agir e não o fez.
As outras mudanças principais são:
- Limite de prazos para ressarcimento aos cofres públicos
- Competência exclusiva do Ministério Público para propor ações
- Prazo máximo de 180 dias para o MP investigar
- Fim do tempo mínimo de punição com perda de direitos políticos, que hoje é de 8 anos
- Prescrição de 8 anos do fato e não mais do mandato
Ainda outro ponto polêmico contraditório e sobre a participação do particular nas condutas que caracterizam a improbidade administrativa. A LIA, ao regulamentar as condutas, as sanções e o procedimento da improbidade administrativa, tem como ponto de partida o objetivo precípuo de impor duras sanções aos atos de corrupção dos agentes públicos, às quais engloba perda da função pública, indisponibilidade de bens, ressarcimento ao erário, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar ou receber subsídios e incentivos fiscais por parte dos diversos órgãos do Estado. Tudo isso, sem prejuízo das demais sanções a que o agente estará sujeito, como as previstas no Código Penal.
Assim, protagonista ou sujeito ativo da improbidade é definido pelo artigo 2º , como agente público, servidor ou não, cujo conceito mereceu a mais ampla abrangência da norma: todo aquele que, ainda que transitoriamente, e mesmo que sem remuneração, desempenhe atribuições públicas, o que engloba: servidores públicos, agentes políticos, mesários e mesmo estagiários. Nesse particular cabe ressaltar também a amplitude das entidades que podem figurar como vítimas dos atos corruptivos: todas as entidades da Administração seja ela Direta e Indireta de todos os Poderes de todas as entidades federativas e inclusive entidades privadas que recebem algum tipo de auxílio ou subvenção estatal.
Já o particular sem qualquer tipo de vínculo com o Estado pode vir a responder pelas mesmas sanções da improbidade em uma das três formas previstas pelo artigo 3º, ou seja, é pressuposto do enquadramento do particular na Nova Lei de Improbidade as condutas de “beneficiar-se”, “induzir” ou “concorrer” para o ato de improbidade, sempre atuando em conformidade, associação ou conluio com um agente público.
Porém fica uma dúvida poderá o privado que der causa um dano ao erário intencionalmente e sem a contribuição do agente público? Estes responderão com base em diversas normas protetivas do patrimônio público, como o Código Penal, a Lei de Ação Civil Pública, as ações ressarcitórias, dentre outras. Então, para a improbidade, é condição sine qua non a participação do agente público.
Entretanto, a norma da Lei de Improbidade em relação ao particular acarretou ao longo dos anos um problema relevante, mais especificamente na parte da participação na forma de “beneficiar-se” da conduta de improbidade, problema este relacionado a outro não menos importante e também objeto de alteração na forma proposta pelo projeto: o dolo, assim causo uma dúvida temerária onde passa a exigir a intenção direta de causa o dano!
Neste contexto, não raro ocorre de o particular receber a contraprestação de serviços prestados à Administração sem a ciência de possíveis irregulares tanto do procedimento licitatório, quando da aplicação das verbas orçamentárias, quanto de normas atinentes à formalização contratual, dentre vários outros exemplos recorrentes da prática administrativa.
Tal problema é ainda mais comuns no âmbito de Estados e Municípios em que há carência de assessoria jurídica qualificada nos diversos órgãos públicos. E daí, os erros na aplicação de normas pelos gestores, no âmbito preparatório ou interno das contratações coloca o particular, o empresário, em situação muito delicada, de ter que responder por improbidade administrativa a partir de atuação interna dos gestores na administração pública. Teria o particular que se transformar em bedel da conduta de gestores públicas em relação ao cumprimento das normas de funcionamento da administração pública?
A se manter tal raciocínio, passe verificar que não cabendo a forma culposa passa a ocorrer claramente um abolitio crimines para este fatos e uma maior segurança jurídica para o particular que contrata com a Maquina Pública.
Ademais, outro entendimento passaríamos a entender que a LIA admitindo a improbidade administrativa na forma culposa na modalidade que causa prejuizo ao erário, quando o particular é incluído nas demais formas de atuação ímproba – enriquecimento ilícito e lesão a princípios da administração pública – na forma de mero beneficiário, restará configurada punição mais severa em relação ao próprio agente público, já que este só responderá por tais conduta na forma dolosa.
A admitir-se a participação do particular como mero beneficiários nas formas em que a LIA somente admite a forma dolosa para o agente público, inegavelmente estará admitindo que o particular pratica a improbidade culposa. Porque se o empresário ou a pessoa física são apenas benefíciários da improbidade, significa que não induziram ou concorreram para a improbidade, o que os coloca na posição de sujeitos ativos por culpa por improbidade em hipóteses em que a LIA excluiu até mesmo o agente público.
Diante de tal inconsistência, o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, ao excluir a modalidade culposa de improbidade, ao entendimento de que não é possível imaginar-se a desonestidade “por descuido”, de forma coerente restringiu a participação do particular apenas para as condutas de Induzir ou Concorrer para os atos ímprobos. Ou seja, a se imaginar a improbidade, a desonestidade do agente público apenas quando há consciência e vontade livre de atuar desonestamente, de forma distinta o particular em conclui-o somente responderá ante a configuração de sua vontade, do seu dolo, de atuar como partícipe do ato desonesto.
Importante ressaltar, neste sentido, que a responsabilidade objetiva empresarial já é objeto da Lei Anticorrupcao, denominada por alguns de Lei da Improbidade Empresarial, a qual já prevê a penalização de condutas empresariais indepentemente da comprovação de dolo ou culpa em prejuízo do erário e dos princípios da Administração Pública.
Assim como da recente aprovada Lei 14133/2021 a Nova Lei de Licitações, muito teremos que analisar sobre varias normas que tem sim uma força retroativa e devera a abolitio Crimes ser aplicada
Tal linha é mais assente com o nosso sistema jurídico sancionador, o qual pressupõe que a conduta humana punível é aquela que se concretiza a partir de uma vontade, do elemento subjetivo do agente, na forma dolosa. A responsabilidade objetiva é de forma geral afeta a condutas de entidades, de pessoas jurídicas, às quais, por se configurarem como ficção jurídica dispensam o elemento da vontade para gerar uma resposta de caráter sancionatório do Direito.
Assim vale entender que o que hoje é aplicado em sua forma Culposa, estará sendo reformada somente sendo aplicada a forma Dolosa.
Ainda a prescrição a partir do fato e não mais ao termino do mandato deverá forçar o MP a ter mais eficiência em seu Inquéritos Civis Públicos e trará a baila que sendo uma norma em branco seu efeito mais benéfico ira retroagir causando um efeito em cascata anulando milhares de processos, ou seu efeito será modulado apenas de sua publicação para frente.
Os próximos meses nos responderá!
Ricardo Fatore de Arruda é advogado, mestre em Direito Administrativo e Finanças Internacionais, especialista em Direito Público, Direito Eleitoral, Licitações e Contratos Público, pós-graduado em Direito do Trabalho, pós-graduando em Direito Penal e Criminologia e pós-graduando em Processo Civil.
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