Saúde nas Entrelinhas – Há algumas semanas publiquei em minhas redes sociais a indignação referente ao custo de uma nova medicação desenvolvida pela empresa farmacêutica Novartis para tratamento da AME tipo 1, doença rara e extremamente grave que acomete crianças de uma maneira gradativa de forma que evoluem com perda de movimentos e da capacidade respiratória.
Trata-se de uma terapia gênica, nova tecnologia onde sabemos que os custos de pesquisa e desenvolvimento são altíssimos, justificativa usada pela empresa para cobrar R$ 12.000.000,00 pelo uso da droga. Família destruída emocionalmente e financeiramente. Ações da Novartis com excelente desempenho e alto valor de mercado. Na cultura organizacional da empresa está escrito que faz parte de seu escopo “desenvolvimento de novas abordagens para expandir o acesso aos nossos medicamentos”. Faz sentido?
O Trader
Trader é aquela pessoa que trabalha com compra e venda de de ações, que conhece e respira mercado financeiro. Ontem vi a foto na rede social de um amigo Trader da sua “work station”. Lembrei na hora da minha, meus monitores gigantes de alta resolução associado a modernos softwares para melhora da imagem da mamografia e ajudar a identificar tumores inicias. Uma estrutura semelhante, com finalidades tão distintas.
Assim como eu estudo a anatomia e busco oferecer saúde aos meus pacientes no meu monitor, ele estuda a anatomia empresarial procurando no dele a saúde financeira de empresas para saber em qual delas vale mais a pena investir para ter o maior retorno. No monitor dele, a farmacêutica deve ser um excelente investimento, no meu, uma imoralidade.
O Grande Jogo
A Medicina teve início em Universidades e desenvolvida em Santas Casas. O objetivo nunca foi ganhar dinheiro com o tratamento mas sim, oferecer o tratamento e promover a saúde. O século XX, em especial suas últimas duas décadas transformaram a saúde em negócio e doenças em commodities. Negócio tem que dar lucro.
Muitos são os players que estão no mercado da saúde desde que doença virou negócio. Para a indústria farmacêutica o doente é um ativo, para o plano de saúde um passivo, porém ambos querem o IPO.
Os principais players estão se organizando em grandes blocos empresariais em busca de um balanço financeiro eu lhes permita chegar a Bolsa de Valores, e estão chegando. Outras já estão lá faz tempo, como as grandes indústrias farmacêuticas. Com o capital aberto, a organização tem que dar lucro custe o que custar para ser avaliada como saudável na tela do meu amigo Trader, nem que para isso, tirem a qualidade da minha tela de diagnosticar doenças.
O doente
Fazer diagnósticos e tratar pessoas está ficando cada vez mais difícil para nós médicos. O plano de saúde precisa lucrar, logo não autoriza procedimentos que o paciente precisa criando um imbróglio de milhares de relatórios, avaliações de auditores, juntas médicas e judicialização maciça. A indústria farmacêutica precisa lucrar, logo cobra preços exorbitantes em novas medicações e criam meios de estimular a judicialização para que os planos paguem o que foi previamente negado. A rede Hospitalar precisa lucrar, logo vai criar protocolos engessados de atendimento onde algo simples pode ficar complexo e o que poderia ser diagnosticado por um RX vai ser diagnosticado por uma Tomografia. E a pessoa doente? Fica completamente perdida e enfraquecida na posição de fonte de lucro para tantas organizações.
Grande parte deles não consegue receber assistência adequada de maneira rápida e transparente e mesmo assim não conseguem entender que sua saúde é um bem pessoal e intransferível e aceita pacificamente a negligência de todas as peças desse cruel jogo de xadrez. Esperam… simplesmente esperam algo que possivelmente não irá chegar em tempo adequado e poderá custar sua própria vida.
Empreender
Sou uma empreendedora medrosa apaixonada por inovação. Não foi à toa que saí do Brasil para aprender inovação e empreendedorismo em uma das mais conceituadas incubadoras do mundo. Meu amigo Trader me perguntou como eu poderia empreender na área da saúde. Completamente envolvida nessa lama toda bem resumida que descrevi, confesso que não consigo enxergar como empreender nada. Te respondo com outra pergunta: Da sua tela, você enxerga como?
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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