Saúde nas Entrelinhas – Essa semana o presidente Jair Bolsonaro foi novamente hospitalizado por sequelas tardias daquela famigerada facada que o elegeu.
A Suboclusão Intestinal é uma complicação relativamente frequente de cirurgias abdominais, causada por uma reação inflamatória das alças intestinais que acabam por se aderir umas as outras criando “acotovelamentos” que dificultam o fluxo normal do alimento pelo intestino. Esse bloqueio pode se desfazer sozinho e quando isso não acontece essas aderências têm que ser retiradas cirurgicamente, o que aumenta cada vez mais a formação de novas aderências a médio e longo prazo.
O presidente aparenta estar respondendo bem ao tratamento clínico e as últimas informações é que ele já irá iniciar dieta com alimentos líquidos.
Quem não responde bem infelizmente é o Brasil. Em estado grave desde seu nascimento, está difícil de conseguir evoluir com algum grau de melhora.
Cravado na História
Levantando os antecedentes pessoais do nosso paciente Brasil, vemos que ele nunca teve uma saúde boa desde a época que foi instaurada a colônia de exploração. A base do país nunca foi construída ou planejada. Estive em Salvador há duas semanas e sempre gosto de passar em frente da primeira escola de Medicina do Brasil, no Largo Terreiro de Jesus, fundada após a chegada de Dom João VI, que assinou em 1808 documento autorizando sua abertura. Em 1800, o Brasil já tinha 300 anos vivendo uma saúde as custas de cirurgiões barbeiros e uma população sem a menor educação sanitária, que jogava lixo pela janela de casa que caia em seu próprio quintal.
Há inúmeras descrições históricas de um Brasil literalmente sujo onde educação e higiene passavam bem longe, onde uma corte gigantesca tinha postos políticos indicados e acordos de favorecimento pessoal já eram praticados.
Foi esse Brasil o alicerce para nosso Brasil.
O Tratamento
Criar um plano terapêutico para o Brasil considerando todos esses hábitos de vida por tantos anos é um desafio que até agora ninguém conseguiu prescrever.
Um livro muito interessante chamado “O Poder do Hábito” me fez refletir sobre nosso doente. Nele, muitas histórias e situações são descritas com o objetivo de encontrar uma explicação científica em nosso cérebro para mantermos hábitos improváveis e sem lógica alguma que praticamos sem perceber.
Talvez a cultura de um país seja a propagação de seus hábitos, bons ou ruins, de maneira inconsciente tornando normal em um determinado lugar algo que não possui lógica alguma. Faz sentido.
Hábitos políticos, sociais e de saúde do paciente Brasil remontam de sua idade, 521 anos. Podemos considerá-lo um idoso ou um bebê uma vez que somos só uma passagem curta de seu tempo, mas ele já tem idade suficiente para ter criado hábitos de ações e pensamentos que o deixa permanentemente hospitalizado, as vezes melhor, as vezes em estado grave, mas sempre doente.
Quando vejo as notícias, vejo hábitos, um padrão de divulgação de informação. Quando vejo a política, vejo hábitos corruptivos repetidos desde a chegada da coorte, os mesmos! Quando vejo o SUS, vejo maus hábitos de saúde e higiene se perpetuando a ponto de absurdos serem considerados normais. Quando vejo alguém jogar uma lata de cerveja pela janela do carro, vejo o lixo caindo no próprio quintal.
Nos repetimos há 521 anos, todos os dias.
Nunca haverá mudança alguma enquanto não entendermos esse padrão de comportamento medular e tóxico que todos nós trazemos de bagagem histórica e nos leva sempre não enxergar o que estamos vendo e que deixa o país cada vez mais grave.
Não é Bolsonaro o paciente, é o Brasil.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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