Vivemos numa sociedade em que todos querem ver e ser vistos e como nunca, passamos a nos alimentar das imagens uns dos outros num ciclo de exterioridade e imediatismo que parece não ter mais fim. Um estudo promovido pela agência We Are Social e a plataforma Hootsuite revelou que o brasileiro gasta, diariamente, 3 horas e 39 minutos nas redes sociais. Nesse reino encantado todos somos felizes, temos corpos perfeitos, vivemos a celebrar a nós mesmos, uns aos outros e uma vida manipulada onde demonstramos nosso status e poder através do que bebemos, comemos, vestimos e onde estamos.
Assim, representamos o papel de celebridades, procuramos tê-las em nossas redes ou estar ao lado de uma delas nas imagens que postamos. Nossas fotos e vídeos, as imagens que criamos de nós mesmos, são como poções mágicas que esperamos que satisfaçam nossos desejos de sermos felizes, de estarmos acima de tudo e de todos, de não sermos meros mortais. O poder da imagem nunca foi tão forte e com alguns cliques, ajustes de cores, brilhos e contrastes, apetites e gostos são criados e o fascínio e sedução despertados trazem consequências.
Um estudo da Universidade de Boston, nos EUA, revelou que homens usuários de redes sociais têm 32% a mais de chances de deixarem suas companheiras do que pessoas que não utilizam as ferramentas. No Brasil a traição pela internet já é o maior motivo de divórcio segundo advogados e juízes que afirmam que a maioria dos casamentos está acabando por causa da infidelidade nas redes sociais e aplicativos. Aparecer passou a ser sinônimo de importância e faz-se de tudo para ganhar likes e retweets por que convencionou-se que quem não é visto é esquecido, quem não aparece não existe, não faz parte da realidade.
A necessidade de aparecer de alguns tem levado a extremos como a transmissão ao vivo pela internet de parte do atentado contra duas mesquitas na Nova Zelândia no último dia 15. As imagens transmitidas no Facebook, feitas por uma câmera usada pelo atirador, exibiram durante 17 minutos um homem vestido de preto atirando contra fiéis com fuzis. O vídeo continua circulando amplamente na web e no WhatsApp.
Aqui no Brasil as investigações da polícia já confirmaram que a motivação dos jovens que cometeram o massacre de Suzano no último dia 13 era ganhar destaque na mídia e ser mais reconhecidos que os autores do massacre em Columbine nos Estados Unidos em 1999. Até que ponto a espetacularização da vida está nos iludindo? Ainda somos inteligentes o suficiente para saber que, apesar de estarmos sendo constantemente bombardeados com imagens, consumi-las não é sinônimo de construir conhecimento? Com o ritmo de nossos dias cada vez mais acelerado e fugaz estamos conscientes de que nem toda imagem curtida ou compartilhada faz bem ou corresponde à realidade? Estamos perdendo a capacidade de perceber que nem toda informação informa, que nem toda televisão e internet inspiram e agregam valor? Nesse mar de imagens em que navegamos ainda somos capazes de perceber e descobrir nossas muitas irracionalidades, nossa falta de realismo, nossas fantasias e como isso tudo nos afeta?
Para o filósofo Sócrates, a vida só vale a pena ser vivida quando pensamos no que estamos fazendo e entendemos que há uma diferença significativa entre aparência e realidade. Ter consciência de si mesmo e da realidade, sem se contentar com as aparências e superficialidade das coisas, amplia os horizontes e ainda que, a princípio, não traga felicidade, saber mais sobre nós mesmos traz importantes benefícios: lucidez para ver aquilo que não pode ser visto a olho nu; um senso de responsabilidade que nos impede de lavar as mãos ou ignorar determinadas realidades; uma mente mais fértil e produtiva; a capacidade para assumir o controle de nossas vidas e, consequentemente, viver melhor.
Ainda estamos aprisionados por imensos preconceitos, superstições e crenças limitantes e se quisermos fugir de ilusões e resistir às distorções da realidade, precisamos ter princípios para orientar nossos julgamentos e avaliações. A falta de questionamento e a ignorância do mundo exterior e interior só geram desorientação, separação e alimentam mais ódios e mais preconceitos. Precisamos assumir a responsabilidade de nos conhecer porque aquilo que somos e pelos conteúdos que consumimos e compartilhamos nas redes sociais.
Quando nos conhecemos conquistamos ferramentas para estar no controle de nossas vidas, novos olhos para ver, novo entendimento para compreender. Viver plenamente, na prática, é construir o conhecimento da realidade e a realidade não é simplesmente o que está nas imagens que postamos e curtimos todos os dias, mas também e principalmente o que está dentro de nós.
Murilo Lima é analista comportamental, coach e especialista em gestão de empresas e empreendedorismo. Possui também formações em desenvolvimento de líderes, desenvolvimento estratégico e gestão da criatividade e inovação. Atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju e mentor voluntário da ONG Projeto Gauss. Desde 2012, conduz processos de desenvolvimento pessoal e profissional para empresários, líderes e jovens promissores, visando a expansão de competências, incremento de resultados e aprimoramento do ser.
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