A CPI e o Egito

Saúde nas Entrelinhas – O escândalo dessa semana não segue sendo a falta de vacinas e a completa bagunça que virou o escalonamento de prioridade da vacinação por comorbidades.

Como dito anteriormente nesta coluna, a CPI da Covid é importantíssima, mas não deveria nunca se tornar mais importante que o combate a pandemia propriamente dito.

O grande destaque semanal foi o depoimento da Dra. Nise Yamaguchi que virou ênfase em todas as mídias no país.

Abertamente defensora do “tratamento precoce”, ela foi convidada a prestar depoimento na referida CPI. Dona de uma voz doce, fala mansa e algo confusa ela foi desrespeitada, julgada e condenada onde deveria ser a casa da democracia. Suas respostas foram questionadas a ponto de ser colocada a necessidade de acareação quando sua resposta destoou de outros depoentes. Absolutamente lamentável.

Lamentável também foi o vídeo gravado pelo presidente do Conselho Federal de Medicina quando alega que os maus tratos à Dra. Nise derivam de uma postura misógina dos senadores da República. É obvio que uma comissão formada com objetivos políticos vai jogar pedra em quem não tem o discurso alinhado com a conclusão final que o relator quer apresentar. Dizer que Dra. Nise foi destratada por ser mulher é como dizer Alexander Fleming desenvolveu a penicilina somente por ser homem. Sua postura defensiva e por vezes atrapalhada a tornaram o alvo ideal para o achincalhamento público.

A resposta veio a seguir com o depoimento da Dra. Luana Araújo. A única característica que as duas possuem em comum é ser mulher. Com uma postura altiva, voz firme, discurso articulado, estudos e números fincados na memória, Dra. Luana foi o brilho nos olhos de todos que queriam ouvir o que politicamente fortalece o objetivo da CPI: O ataque ao Executivo. Ela, mulher, não sofreu interpelações grosseiras nem foi agredida por políticos bacharéis em Medicina que não exercem a profissão há décadas. Vossas excelências, médico é quem cuida de paciente. É quem está diariamente se expondo a COVID e outras intermináveis doenças, quem estuda artigos científicos sobre patologias, é quem sofre junto a família, é quem deixa a sua para cuidar de outras, é que tem que acatar o que os senhores engravatados decidem aí em cima.

Inaceitáveis as argumentações agressivas à Dra. Nise não por ser mulher, mas por ser médica, lúcida e capaz de responder por seus atos caso seja julgada culpada dentro dos pilares da ética médica: imperícia, imprudência ou negligência. Podemos não concordar com ela, mas respeito é a base da democracia.

No Egito

Enquanto isso no além mares um médico que se julga estelar resolveu conhecer as pirâmides do Egito no meio da pandemia. Como figura famosa na medicina integrativa foi fazer compras na cidade de Luxor com sua equipe de mídia e resolveu filmar uma abordagem ridícula, essa sim misógina e machista, a uma vendedora muçulmana. Ele só que esqueceu que não estava no Brasil. Ao ver o vídeo onde ele debocha de uma vendedora que estava trabalhando, sem entender nada do que aqueles homens falavam e riam intensamente, dizendo “vocês gostam mesmo do bem duro, do comprido, né?”, fazendo referência a um “papiro” senti náuseas.  Quando se justificou, disse que é uma brincadeira “brasileira”.  Pedido de desculpas assinado pela família foi divulgado e repostado por inúmeros de seus colegas, mas sua postura não deixa de refletir a triste realidade que é o desrespeito a figura feminina e vemos isso diariamente nos mais diversos níveis sociais do nosso Brasil. A diferença é que ele resolveu “brincar” no Egito, um país predominante muçulmano e de leis rígidas. Acredito que agora ele aprenda que essa brincadeira não tem graça.

Ao final, reafirmo que a fala do presidente do Conselho Federal de Medicina não me representa, me solidarizo à Dra. Nise Yamaguchi, aplaudo a Dra. Luana Araújo e sigo tendo orgulho de ser mulher.

Até semana que vem.


Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.

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