Caneta do saudoso Marcelo Déda será respeitada por Belivaldo e seus deputados?

A luta pelo fortalecimento da democracia no Estado e nas instituições é um dos braços fortes do Ministério Público do Estado de Sergipe (MPE). E foi com muita luta dos promotores que a instituição conseguiu, em 2010, conquistar um avanço democrático e histórico: o direito de concorrer ao cargo de chefe do Ministério Público, o posto mais alto da instituição.

Porém, esse avanço democrático e institucional parece querer dá um passo atrás por intermédio do atual procurador geral de Justiça e de seus colegas procuradores. Um anteprojeto de lei foi elaborado para restringir a participação dos promotores no processo de eleição para escolha do procurador geral de Justiça.

Pela legislação em vigor, o promotor com 35 anos de idade e com pelo menos 10 anos de carreira pode concorrer à eleição para chefe maior do Ministério Público. Porém, o anteprojeto restringe esse direito a apenas 17 promotores, numa clara demonstração de retrocesso e desrespeito a maioria dos membros da instituição. O Ministério Público sergipano é composto por 134 membros, sendo 120 promotores e 14 procuradores. Ou seja, a maioria terá direito apenas de votar, pois sua liberdade estará tolhida e seu direito em ser votado estará cassado.

Além de desrespeitar a maioria dos membros da instituição, o anteprojeto representa um desrespeito à memória do saudoso governador Marcelo Déda, que defendeu a ampliação da democracia no Ministério Público estadual. Aliás, no dia em que assinou a tão sonhada lei, Marcelo Déda fez questão de entregar ao então presidente da Associação Sergipana do Ministério Público (ASMP), Deijaniro Jonas, a caneta que usou para assinar a lei estadual, como símbolo de respeito aos membros do MP e do avanço democrático que a instituição conquistava.

Caneta usada por Marcelo Déda para assinar a lei que democratizou a eleição para procurador geral de Justiça

“Foi um gesto de grande simbolismo a mencionada entrega à ASMP da caneta, e não de um lápis que se pode apagar a toda hora, como quem diz: um novo capítulo do Ministério Público foi escrito hoje e somente será reescrito por vontade da classe”, diz um promotor de Justiça.

Caso o projeto de lei seja aprovado pela Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese) e sancionado pelo governador do Estado, apenas 17 promotores poderão concorrer ao cargo de chefe do MP, deixando de fora do processo 103 promotores, o correspondente a quase 80% da classe. Um retrocesso histórico, presente apenas em três estados do Brasil: São Paulo, Minas Gerais e Roraima.

Para se ter uma ideia do absurdo, o projeto se tornando lei, nem mesmo os experientes promotores Rony Almeida – ex-procurador geral de Justiça -, Orlando Rochadel – ex-corregedor nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o segundo cargo mais importante do Ministério Público brasileiro, atrás apenas do procurador geral da República, bem como Deijaniro Jonas – ex-presidente da Associação Sergipana do Ministério Público (ASMP) -, não poderão concorrer à eleição para chefiar a casa da qual eles também são membros de carreira.

Mediante tamanho ataque à democracia institucional e a visível discriminação entre promotores e procuradores, a possível lei estadual promoverá a desunião no MP e será alvo de ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em uma ação movida pela ex-procuradora geral da República, Raquel Dodge, uma lei em Minas Gerais, semelhante a que está sendo concluída em Sergipe por Eduardo D’Ávila, já é alvo de contestação no Supremo.

Marcelo Déda fazendo discurso histórico em defesa da lei que ele sancionou e garantiu aos promotores o direito de disputar a chefia do MPE

Na ação de inconstitucionalidade, a então procuradora geral da República salienta que o “governador tem a prerrogativa constitucional de escolher o procurador geral de Justiça, a partir de lista tríplice formada por integrantes da carreira”.

Na ação, Raquel Dodge pede a inconstitucionalidade da lei mineira, que também restringe a participação dos promotores para escolha do procurador geral de Justiça. O ministro Marco Aurélio, que é o relator da ação de inconstitucionalidade, ainda não se pronunciou sobre a matéria legislativa.

Ou seja, a Procuradoria Geral da República deixa claro que qualquer membro do Ministério Público, seja ele promotor ou procurador tem o direito de concorrer ao posto máximo da instituição. Também deixa nítido que cabe ao governador a escolha do procurador, a partir de uma lista tríplice formada por todos os integrantes da carreira e não apenas por procuradores. Não respeitando essa premissa estaria então o procurador geral de Justiça tentando reduzir o poder de escolha do governador?

“Não sei de onde veio a ideia do retrocesso e a quem interessa. Mas sei que a mim, enquanto membro da instituição constitucionalmente incumbida da defesa do regime democrático, não interessa, razão pela qual me farei presente na ASMP para aderir ao manifesto”, desabafa um experiente promotor, que também assinou um manifesto que condena a alteração da lei estadual.

O governador Belivaldo Chagas, que foi vice-governador do saudoso Marcelo Déda, a quem preza por gratidão e respeito, terá coragem de sancionar uma lei que representa um retrocesso institucional e democrático e uma afronta à memória do ex-governador, tido como o padrinho da lei que inseriu todos os promotores na corrida eleitoral pela chefia do MP? E os deputados estaduais, principalmente os que conheceram e conviveram com Marcelo Déda, terão coragem de rasgar uma lei defendida por ele?

Promotores e procuradores, entre eles Eduardo D’Ávila, no dia em que Marcelo Déda assinou a lei que ampliou a participação dos promotores na eleição para chefe do MP.

Preocupada com a mudança no processo de escolha do procurador geral de Justiça, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entregou ao governador Belivaldo Chagas um ofício demonstrando o retrocesso que representa o anteprojeto elaborado pelos procuradores de Justiça e solicita o veto ao projeto, caso este seja aprovado na Alese.

Na ocasião, segundo uma fonte palaciana informou ao Hora News, o governador teria dito que “este não é o momento certo para se fazer mudanças na lei”.

Em breve, deputados e governador terão que escolher de qual lado vão estar entre dois pontos distintos: o da ampla democracia no Ministério Público ou do retrocesso democrático em uma das instituições mais importantes para a sociedade civilizada. E a escolha errada poderá responsabilizá-los, também, pela possível desordem no Ministério Público sergipano.  



Por Redação Hora News
Fotos: ASN/MP/Arquivo

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