Os jornalistas têm direito à propriedade intelectual sobre sua produção? O que fazer para assegurar respeito ao seu trabalho e o pagamento do que lhe é devido? Estas são algumas das questões abordadas nesta entrevista do presidente do Conselho da Apijor, Paulo Cannabrava Filho, concedida ao Portal da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). Com a experiência de 50 anos de exercício do jornalismo, ele é taxativo: “o autor é o único dono de sua obra. Só o autor pode vender ou autorizar a venda de sua obra”.
Paulo Cannabrava Filho foi repórter político no Correio da Manhã, do RJ, da Última Hora e da Folha de São Paulo. Em 1968 deixou o país para escapar da repressão instaurada pela ditadura militar. Durante 12 anos de exílio trabalhou como correspondente da France Press e foi diretor regional da Inter Press Service ao mesmo tempo em que atuou como repórter especial em jornais na Bolívia, no Peru e Panamá. Após 1980, quando regressou ao Brasil, atuou na equipe da Editora Terceiro Mundo que publicou, até 2004, os Cadernos do Terceiro Mundo, Ecologia e Desenvolvimento e Revista do Mercosul, foi diretor de redação na TV Gazeta e editor no Jornal do País. Nos últimos anos, como jornalista autônomo, tem atuado em projetos de comunicação para empresas e ongs e realizado pesquisa histórica. É autor de vários livros publicados na Europa e América Latina, entre os quais, “No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960/70”, da Editora Cortez, e “Adhemar de Barros, trajetória e realizações”, da Editora Terceiro Nome.
E-FENAJ – No início de agosto houve o III Encontro Nacional de Autores da Informação e Comunicação, em São Paulo. O que você destaca como principais saldos deste evento?
Paulo Cannabrava Filho – Conseguimos reunir os mais qualificados especialistas nas diversas áreas que normalizam as relações entre contratantes e contratados cujo objeto de contrato contém obra autoral. Foi dado mais um passo considerável na construção de uma cultura de respeito aos direitos autorais dos profissionais da comunicação e informação; também constitui uma contribuição inestimável na consolidação do pensamento jurídico a respeito. Outro ganho desse evento foi, sem dúvida, a consolidação de parceria com a Alcântara Machado, empresa especializada em feiras e eventos. O Encontro da Apijor tornar-se-á parte do PhotoimageBrazil e seus organizadores já começaram a promoção para o próximo encontro, no ano que vem.
E-FENAJ – Quais as principais ações da Associação Brasileira para a Proteção da Propriedade Intelectual dos Jornalistas (Apijor), com relação ao direito autoral da categoria atualmente?
Paulo Cannabrava Filho – Trabalhamos em duas frentes: a de promoção e do direito. No momento nosso maior empenho é no sentido de promover a cultura de respeito aos direitos autorais tanto no seio da categoria, envolvendo os sindicatos nesse esforço, como no seio da sociedade. Além do ambiente profissional visamos as universidades, pois, é importante que os alunos de comunicação e jornalismo ao ingressarem no mercado de trabalho tenham noção de seus direitos como autores. É um trabalho que entendemos relacionado com a ética. Paralelamente, temos o trabalho do Departamento Jurídico, que atua não só promovendo as ações em nome dos jornalistas como oferecendo assessoria para os departamentos jurídicos dos sindicatos filiados.
E-FENAJ – A concentração da propriedade de veículos de comunicação é crescente no Brasil. E não raro uma matéria ou foto produzida para um determinado jornal, por exemplo, é aproveitada em outro do mesmo grupo. Isto é legal? O profissional tem ou não condições de reivindicar uma compensação por direito autoral?
Paulo Cannabrava Filho – Segundo as normas trabalhistas vigentes o contrato do jornalista em carteira é para trabalhar em um único meio. A legislação sobre direitos autorais reforça esse conceito de exclusividade. O autor é o único dono de sua obra. Só o autor pode vender ou autorizar a venda de sua obra. Qualquer negociação que se faça sem sua autorização expressa é ilegal. Assim, havendo violação a essa norma o jornalista deve procurar a Apijor para proceder a defesa de seus direitos na Justiça.
E-FENAJ – Pedro Callegario comenta que em entrevista ao jornal A Gazeta-ES o jornalista Ricardo Kotscho afirma que a internet e as pautas formuladas tiraram a liberdade de criação do jornalista atual em relação às próprias matérias, como também tiram o caráter de formulador de história por parte do profissional. Você concorda que a atual prática do jornalismo, por parte dos grandes jornais impressos, está realmente “quadrada”? O profissional comtemporâneo perdeu as características clássicas do jornalista, obsecado em apurar notícias?
Paulo Cannabrava Filho – De fato, mesmo com as raras exceções, de alguns meios que dão espaço para reportagens, os jornais, de uma maneira geral, tornaram-se uníssonos. O governo pauta a mídia e a mídia pauta a mídia. É impressionante. Caso se reúna vinte jornais de um mesmo dia, não se verá diferença de conteúdo. Vê-se as mesmas noticias e o mesmo enfoque. Coincidem até nos editoriais. Todos de um grande reacionarismo, explícito ou implícito. O pior, é que o país, a nação, a humanidade, não importam. Informação virou commodity. É objeto de lucro, não mais de direito humano.
E-FENAJ – Jô Azevedo quer saber qual o procedimento a adotar quando as editoras de livros não pagam direitos autorais, mesmo com contratos firmados e registrados?
Paulo Cannabrava Filho – Processo nelas. A Justiça é o único caminho para disciplinar essa gente. Sendo jornalista e sindicalizado e, sendo o sindicato filiado à Apijor, o nosso departamento jurídico pode se encarregar dessa ação.
E-FENAJ – Silvio Smaniotto questiona como os interessados devem agir para cobrar direito autoral de material que foi publicado? E o que fazer quanto à reprodução de material via internet sem autorização do autor? O que existe de inovação tecnológica no que se refere ao direito autoral?
Paulo Cannabrava Filho – Internet é uma mídia como qualquer outra. Publicação de obra autoral sem autorização é ilegal. Esgotado o caminho da negociação resta a Justiça. O departamento jurídico da Apijor deverá analisar os fatos, pois, cada caso é um caso, e recomendar o melhor caminho a seguir.
E-FENAJ – O presidente da FENAJ, Sérgio Murillo de Andrade questiona por que é mais difícil conscientizar os jornalistas de textos com relação aos seus direitos autorais? Ele também quer saber que contribuição você acha que a FENAJ pode dar na luta pelo reconhecimento da propriedade intelectual dos jornalistas brasileiros?
Paulo Cannabrava Filho – Nosso presidente Sérgio Murillo colocou o dedo na ferida. Não é só com relação aos direitos autorais que é difícil conscientizar os jornalistas. Veja-se como se comportam com relação às demais questões que são cruciais para nossa profissão, como a do Conselho Profissional, a da FENAJ e seus sindicatos. Quanto ao porquê: são fatores de grande complexidade que passam pela má formação dos profissionais e pela característica das empresas de informação e comunicação na presente conjuntura, e também, pela relação promiscua dos meios com a política e com o mundo dos negócios. Nossa contribuição, ou melhor, a contribuição dos jornalistas organizados, é a de empreender uma verdadeira cruzada pelo império da ética. A luta pelos direitos autorais se inscreve na luta pelo império da ética; no esforço de construção da cidadania; de uma sociedade em que cada um conheça seus direitos e os direitos dos outros. Só se concebe um bom jornalismo se exercido no marco da ética cidadã. O direito autoral faz parte do direito da personalidade, portanto, é direito fundamental da pessoa humana, não só do jornalista, assim como o direito de imagem, o direito a ter um nome e o de ser considerado íntegro. Vale reiterar, que a única garantia que a sociedade tem de receber uma informação crível é o compromisso ético de um autor. Não se deve esquecer que o responsável pela informação é sempre seu autor e só seu autor.
Fonte: Fenaj
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