De acordo com matéria publicada no Correio Braziliense, que pode ser conferida aqui, no anuário da violência de 2016, 2017, 2018, constatou-se que 3.200 mulheres foram vítimas de feminicídio.
Esse número pode ser muito maior, tendo em vista os desaparecimentos e crimes não esclarecidos pela autoridade policial.
Então em 3 anos tivemos em matéria de feminicídio um número quase idêntico ao número de habitantes de 1.253 municípios brasileiros que cuja a população é menor que cinco mil habitantes, dados pesquisados nessa reportagem.
É uma situação social extremamente grave, pois o bem jurídico tutelado de maior relevância é a vida humana, e na prática dessa tipificação restou aumentar a pena, para que de forma pedagógica algo mudasse, o que não parece ter dado resultado.
Em virtude desse grave problema social, foi criada a LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015, que alterou o artigo 121 do Código Penal, que passou a figurar da seguinte forma:
Feminicídio
I – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
- 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I – violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
A partir do texto da Lei, vamos passar a explicar o que é o feminicídio e fazer algumas considerações a respeito dele.
Antes, porém, é necessário explicar que esse texto não é militante, e não busca demonstrar viés de feminismo ou machismo, mas constatar um problema social e como a criação da legislação tentar alterar essa condição sociológica, explanando a Lei.
É necessária essa explicação, porque estamos vivendo o momento do Direito da Direita e Direito da Esquerda, onde os dois lados cometem o excesso em nome da política e a ciência jurídica é abandonada até por expoentes do Direito Brasileiro.
Sabedor da dificuldade que é expor, ainda que brevemente esse tema, devido a complexidade sociológica envolvida, de forma honesta, tenta-se não abraçar lados políticos dessa temática, dadas às imensas dificuldades que envolve a discussão dos Gêneros.
1. O que é o Feminicídio?
Na forma bem simplista, Feminicídio é o assassinato de mulher, por causa da condição de ser mulher, mas que precisa de que outros requisitos estejam presentes, como é o caso da violência doméstica, como será explicado à frente.
Não basta ser um assassinato de uma mulher, exemplo, um latrocínio, roubo seguido de morte, ainda que praticado contra uma mulher não será tipificado como feminicídio, por não estarem presentes outras delimitações desse crime, como por exemplo o relacionamento da vítima com o assassino.
Importa ressaltar, que feminicídio não é nova tipificação penal, ou seja, não é um novo crime, mas uma qualificadora do crime de homicídio. Quer dizer que essa alteração legislativa veio para aumentar a pena, com o fim pedagógico de diminuir a violência de Gênero e ou doméstica.
Para que fique bem claro, o Feminicídio é quando a mulher é assassinada em razão de ser mulher, gênero, ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher, que se torna a qualificadora do crime de homicídio.
A doutrina Brasileira vai definir o feminicídio como íntimo e não íntimo.
Por íntimo, temos que o é o assassinato de mulher por quem mantinha relações íntimas com a vítima, a exemplo, namorado, convivente, marido, ou seja, havia relacionamento anterior ao crime.
Na condição de não íntimo, alguém que sem conhecer a vítima, mas por nutrir menosprezo pela condição de mulher vem a matá-la, assim, não havia relacionamento amoroso ou familiar contra a vítima.
2. Qual é o conceito de mulher?
Importante ressaltar essa questão por que o texto da Lei traz claro no inciso VI do parágrafo 2º do artigo 121, traz a clara menção à mulher, vejamos;
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
Do conceito de mulher, tem-se que é a pessoa que nasceu do sexo feminino.
Simples, não é? Pero no mucho.
Daí surge a pergunta, poderia esse crime ser cometido contra o transexual, que tenha sido feito cirurgia de mudança de sexo, e alteração de identidade? E se for cometido contra homossexual que se considera mulher sem ter feito cirurgia de mudança de sexo e alteração identidade? Trata-se de uma questão bastante complexa. Para piorar ainda a questão, e se a pessoa for biologicamente do sexo feminino, mas fez mudança de sexo e alteração de identidade seria ainda mulher ou não?
Essas perguntas são necessárias porque são perfeitamente possíveis de ocorrer casos concretos de assassinato de pessoas nessa condição.
Há pelo menos três conceitos nessa situação, que são o biológico, condição de nascimento, o psicológico, condição interna e subjetiva, e conceito jurídico, constante principalmente na documentação e na interpretação dos fatos à luz da Lei que observará os papéis em caso de violência doméstica e familiar.
Portanto em nossa opinião, para efeitos jurídicos será considerado mulher o transexual que mesmo não tendo feito cirurgia de mudança de sexo e alteração documental, vivia em relação familiar, ou amorosa, com aquele que veio a lhe assassinar, sendo-lhe imputada a qualificadora de feminicídio, com respeito a opiniões que destoem desta.
Ressalta-se que há a possibilidade de mudança no registro civil para fazer constar o gênero com o qual o indivíduo se identifica, sem que para isso este precise realizar a cirurgia de redesignação sexual, conforme entendimento do STJ e STF .
3. A Qualificadora do feminicídio alterou em que o Crime de Homicídio?
As qualificadoras de um crime existem devido a condições em que se desenvolveu aquele delito, e que por isso merece um rigor maior, uma reprovação mais veemente. No geral elas majoram as penas elevando o mínimo e o máximo da pena base.
No caso do Homicídio simples a pena base vai de 6 a 20 anos. Já no Feminicídio é de 12 a 30 anos. Veja que quase dobra a pena. O Legislador entendeu que isso afetaria de forma drástica a prática desse crime, conquanto não seja isso que a realidade mostra.
Mas não é só isso, essa qualificadora pode aumentar ainda muito a pena, caso estejam presentes algumas das condições elencadas pela Lei, vejamos:
- 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018)
A exemplo temos um Feminicida que matou a esposa, um mês após o parto, e tendo sido condenado a 20 anos de prisão na pena base, teve o aumento de 1/3 indo para 26 anos em virtude da vítima estar na condição do inciso primeiro do parágrafo sétimo.
Portanto, endureceu o legislador a pena no intuito de aplacar tão grave problema social, ao passo que as mudanças não ocorrem somente pelo aumento de pena, mas também, pelo sentimento que a pena será executada.
Os números relacionados a este crime, não tem diminuído, serão necessárias medidas que não só o aumento de pena, mas de um todo da conhecida Justiça, para que esse grave mal social venha diminuir.
Em notas de fixação podemos dizer o seguinte:
A) Feminicídio é o assassinato de mulher, por causa da condição de ser mulher, estando presentes alguns requisitos, como é o caso da violência doméstica e familiar, ou simplesmente por haver desprezo pela condição de mulher, a conhecida Misoginia.
B) Feminicídio não é uma nova tipificação penal, ou seja, não é novo crime, mas uma qualificadora do crime de homicídio, ou seja, majorante da pena, pois enquanto no Homicídio simples tem-se uma pena base de 6 a 20 anos, no Feminicídio é de 12 a 30 anos.
C) O sujeito passivo do crime de Homicídio tendo como qualificadora o Feminicídio é a mulher. Entretanto, alguém que tenha alterado o registro documental, ainda que não tenha feito cirurgia de mudança de sexo, poderá ser sujeito passivo.
D) Em nossa opinião essa questão de qualificar o crime de Homicídio pelo Feminicídio não trouxe o resultado esperado. Culturalmente, são necessário outros fatores que além da educação, passam pela agilidade da Justiça e o fim do sentimento de impunidade.
Para mais esclarecimentos procure sempre um advogado especialista que lhe auxilie da melhor forma na defesa ou na assistência da acusação.
Rafael Rocha é advogado criminalista, consultor e parecerista em matéria Penal e Processo Penal. É Bacharel em Direito pelo INESC/MG, Bacharel em Teologia pelo SETECEB/GO, Pós graduado em Direito Empresarial pela FIJ/RJ, Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo ATAME/GO, Vice-Presidente da Comissão de Direito Penal Militar da OAB/GO 2016-2018, Membro do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal, Membro da Abracrim – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
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